domingo, 4 de janeiro de 2015

Em busca de um novo modelo



Depois de quase dez anos sem avançar nos indicadores, propostas para mudanças no Ensino Médio se multiplicam

 

 

Por Cinthia Rodrigues e Thais Paiva 

 Desde a primeira edição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2005, o Ensino Médio obteve o pior resultado entre as etapas de ensino avaliadas. Na última década, enquanto o Ensino Fundamental melhorava, ainda que a passos lentos, a última etapa da educação básica estacionou: subiu um décimo a cada biênio e nada na última edição do Ideb, divulgada em setembro. O resultado repetiu os índices de 2011, 3,7 pontos, e ficou abaixo da meta projetada de 3,9. A superação da evasão também estagnou: metade dos que começam não concluem o Ensino Médio.

Os dados parecem ter levado especialistas, gestores e educadores a concordar em relação à necessidade de mudança. “É uma fase historicamente sem identidade. Acabou moldada para preparar o processo seletivo para o Ensino Superior, quando na verdade apenas um em cada cinco farão faculdade”, resume a secretária Estadual de Mato Grosso, Rosa Neide Sandes de Almeida, cujo Ideb caiu de 3,1 para 2,7 no Ensino Médio.

Se é consenso a reestruturação, falta um acordo quanto à estratégia para realizá-la. Pesquisadores e professores afirmam ser preciso ter educadores em número suficiente e, depois, qualificados para ensinar. Os responsáveis pelos sistemas de ensino e políticas públicas reconhecem a carência, mas também propõem flexibilidade no currículo, agrupamento das disciplinas por áreas, aumento do tempo na escola e ênfase em temas que conduzam ao mercado de trabalho.

Em novembro de 2013, o MEC aprovou o Pacto Nacional de Fortalecimento do Ensino Médio, em parceria com os estados e as universidades federais, para dar formação interdisciplinar aos educadores. Em 2014, seminários ocorreram para ouvir especialistas e os professores cadastrados passaram a receber bolsa mensal de 200 reais. O programa também propõe a revisão dos currículos das unidades com base nas diretrizes propostas pelo Conselho Nacional de Educação em 2012, que são de integração entre as disciplinas e vocacionalização das escolas, ou seja, cada uma elencaria uma área de conhecimento para dar ênfase.

A ideia é de que o agrupamento ajude a contornar um dos principais problemas do Ensino Médio: a carência de professores para ministrar as aulas do currículo, sobretudo nas áreas de Exatas e Ciências. “Existem alunos que nunca tiveram aula com professor de Biologia, Química e Física”, relata Maria Izabel Azevedo Noronha, presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). “Faltam professores porque a carreira não é atraente. Não dá para fazer uma discussão sobre o Ensino Médio sem tentar resolver, antes, essa questão”, defende. 

Para Moaci Alves Carneiro, autor de O Nó do Ensino Médio e ex-professor da Universidade de Brasília (UnB), os baixos investimentos do Estado brasileiro na etapa contribuem para o problema. “Se compararmos os recursos destinados ao Ensino Médio, relacionados ao custo aluno qualidade inicial (CAQi), com o que praticam os 30 países mais desenvolvidos educacionalmente, o custo do aluno no País é cinco vezes menor”, diz. A falta de incentivo reflete-se na baixa procura pelos cursos de Licenciatura e em altas taxas de evasão durantes os cursos. “Entre os que terminam, grande parte acaba migrando para outras ocupações. Alguém que se forma em Matemática, por exemplo, vai atuar nas engenharias”, conta. 

Alexia de Souza, 17 anos, estudante do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Padre Donizetti Tavares de Lima, em Tambaú, interior paulista, conta que muitas aulas não acontecem em razão do absenteísmo dos professores. Segundo a aluna, das cerca de 30 aulas programadas para a semana, seis não acontecem devido à ausência de docentes. “Quando os professores faltam, mandam vir um substituto que passa uma matéria que a gente não está aprendendo ou mandam a gente para a quadra com os alunos da Educação Física”, conta. 

O mesmo ocorre na Escola Estadual Major Arcy, no Centro de São Paulo. “Os professores faltam uma ou duas vezes por semana. Acharia bom se, em vez de tapar o buraco, essas aulas fossem interdisciplinares”, diz o aluno Pedro Negrini, de 18 anos. Na rede estadual paulista, o Ideb caiu de 3,9 para 3,7.

Exemplos no exterior
A vocacionalização desde o Ensino Médio e a redução do total de disciplinas fragmentadas é tendência em outros países do mundo. Nos Estados Unidos, os alunos têm seis matérias obrigatórias e autonomia para preencher sozinhos o restante do tempo com cursos optativos em áreas de artes, esportes, acadêmicas ou profissionalizantes. 

O Canadá e a Inglaterra adotaram modelo semelhante. “São medidas para aumentar o interesse do aluno e combater a evasão”, comenta Gabriela Moricone, que foi conhecer os sistemas como pesquisadora convidada da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A maior diferença que vejo para a proposta brasileira é a vocacionalização das escolas. Nesses dois países, cada unidade oferece várias opções e os estudantes podem mudar a cada semestre, em vez decidir o caminho antes da matrícula.”

A escolha de uma área por escola aproxima-se mais do modelo alemão, que prioriza a formação técnica. No país de 80 milhões de habitantes, enquanto apenas 6 milhões têm curso superior tradicional, 23 milhões são técnicos. 

No Brasil, um dos exemplos de Ensino Médio profissionalizante são as Escolas Técnicas Estaduais (Etecs), mantidas pelo Centro Paula Souza, autarquia do estado de São Paulo. Segundo o coordenador, Almério Melquíades de Araújo, a taxa de evasão é de apenas 5%. “Na maioria dos países, parte considerável de seus jovens, de 25% a 50%, busca o Ensino Técnico como forma de um aprendizado mais contextualizado, ou como preparação para o ingresso precoce no mundo do trabalho”, diz. 

A rede tem 288 mil alunos em cursos técnicos de nível médio e superior tecnológico e, destes, 10% estudam em tempo integral. A ampliação da carga horária, já prevista para a Educação Básica no Plano Nacional de Educação, é outra aposta para o Ensino Médio.

O mais ousado dos projetos de reforma, feito pela Comissão Especial sobre o assunto na Câmara dos Deputados, quer alterar a legislação para que todos os alunos do diurno estudem ao menos sete horas por dia. A proposta retoma os temas de flexibilização do currículo com substituição das disciplinas por grandes áreas e aumenta o tempo de estudo no período noturno, que passaria a ser de quatro anos. As mudanças incluiriam disposição de vagas à noite apenas para os maiores de 18 anos e alterações no Enem para que a prova seja feita a cada ano do Ensino Médio. 

O relator da proposta, o deputado Wilson Filho, afirma que a meta é distanciar a etapa do “decorômetro” para o vestibular ou o Enem. “Tem de atrair o estudante para uma profissão, ter um sentido. Eu saí do Ensino Médio não faz tanto tempo e ainda posso me lembrar de como não tem”, afirma o parlamentar de 25 anos.

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