Depois de quase dez anos sem avançar nos
indicadores, propostas para mudanças no Ensino Médio se multiplicam
Por Cinthia Rodrigues e Thais Paiva
Desde a primeira edição do Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2005, o Ensino Médio obteve o
pior resultado entre as etapas de ensino avaliadas. Na última década, enquanto
o Ensino Fundamental melhorava, ainda que a passos lentos, a última etapa da
educação básica estacionou: subiu um décimo a cada biênio e nada na última
edição do Ideb, divulgada em setembro. O resultado repetiu os índices de 2011,
3,7 pontos, e ficou abaixo da meta projetada de 3,9. A superação da evasão
também estagnou: metade dos que começam não concluem o Ensino Médio.
Os dados parecem ter levado
especialistas, gestores e educadores a concordar em relação à necessidade de
mudança. “É uma fase historicamente sem identidade. Acabou moldada para
preparar o processo seletivo para o Ensino Superior, quando na verdade apenas
um em cada cinco farão faculdade”, resume a secretária Estadual de Mato Grosso,
Rosa Neide Sandes de Almeida, cujo Ideb caiu de 3,1 para 2,7 no Ensino Médio.
Se é consenso a reestruturação,
falta um acordo quanto à estratégia para realizá-la. Pesquisadores e
professores afirmam ser preciso ter educadores em número suficiente e, depois,
qualificados para ensinar. Os responsáveis pelos sistemas de ensino e políticas
públicas reconhecem a carência, mas também propõem flexibilidade no currículo,
agrupamento das disciplinas por áreas, aumento do tempo na escola e ênfase em
temas que conduzam ao mercado de trabalho.
Em novembro de 2013, o MEC
aprovou o Pacto Nacional de Fortalecimento do Ensino Médio, em parceria com os
estados e as universidades federais, para dar formação interdisciplinar aos
educadores. Em 2014, seminários ocorreram para ouvir especialistas e os
professores cadastrados passaram a receber bolsa mensal de 200 reais. O
programa também propõe a revisão dos currículos das unidades com base nas
diretrizes propostas pelo Conselho Nacional de Educação em 2012, que são de
integração entre as disciplinas e vocacionalização das escolas, ou seja, cada
uma elencaria uma área de conhecimento para dar ênfase.
A ideia é de que o agrupamento
ajude a contornar um dos principais problemas do Ensino Médio: a carência de
professores para ministrar as aulas do currículo, sobretudo nas áreas de Exatas
e Ciências. “Existem alunos que nunca tiveram aula com professor de Biologia,
Química e Física”, relata Maria Izabel Azevedo Noronha, presidenta do Sindicato
dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). “Faltam
professores porque a carreira não é atraente. Não dá para fazer uma discussão
sobre o Ensino Médio sem tentar resolver, antes, essa questão”, defende.
Para Moaci Alves Carneiro, autor
de O Nó do Ensino Médio e ex-professor da Universidade de Brasília (UnB), os
baixos investimentos do Estado brasileiro na etapa contribuem para o problema.
“Se compararmos os recursos destinados ao Ensino Médio, relacionados ao custo
aluno qualidade inicial (CAQi), com o que praticam os 30 países mais
desenvolvidos educacionalmente, o custo do aluno no País é cinco vezes menor”,
diz. A falta de incentivo reflete-se na baixa procura pelos cursos de
Licenciatura e em altas taxas de evasão durantes os cursos. “Entre os que
terminam, grande parte acaba migrando para outras ocupações. Alguém que se
forma em Matemática, por exemplo, vai atuar nas engenharias”, conta.
Alexia de Souza, 17 anos,
estudante do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Padre Donizetti Tavares
de Lima, em Tambaú, interior paulista, conta que muitas aulas não acontecem em
razão do absenteísmo dos professores. Segundo a aluna, das cerca de 30 aulas
programadas para a semana, seis não acontecem devido à ausência de docentes.
“Quando os professores faltam, mandam vir um substituto que passa uma matéria
que a gente não está aprendendo ou mandam a gente para a quadra com os alunos
da Educação Física”, conta.
O mesmo ocorre na Escola Estadual
Major Arcy, no Centro de São Paulo. “Os professores faltam uma ou duas vezes
por semana. Acharia bom se, em vez de tapar o buraco, essas aulas fossem
interdisciplinares”, diz o aluno Pedro Negrini, de 18 anos. Na rede estadual
paulista, o Ideb caiu de 3,9 para 3,7.
Exemplos
no exterior
A vocacionalização desde o Ensino
Médio e a redução do total de disciplinas fragmentadas é tendência em outros
países do mundo. Nos Estados Unidos, os alunos têm seis matérias obrigatórias e
autonomia para preencher sozinhos o restante do tempo com cursos optativos em
áreas de artes, esportes, acadêmicas ou profissionalizantes.
O Canadá e a Inglaterra adotaram
modelo semelhante. “São medidas para aumentar o interesse do aluno e combater a
evasão”, comenta Gabriela Moricone, que foi conhecer os sistemas como
pesquisadora convidada da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). “A maior diferença que vejo para a proposta brasileira é a
vocacionalização das escolas. Nesses dois países, cada unidade oferece várias opções
e os estudantes podem mudar a cada semestre, em vez decidir o caminho antes da
matrícula.”
A escolha de uma área por escola
aproxima-se mais do modelo alemão, que prioriza a formação técnica. No país de
80 milhões de habitantes, enquanto apenas 6 milhões têm curso superior
tradicional, 23 milhões são técnicos.
No Brasil, um dos exemplos de
Ensino Médio profissionalizante são as Escolas Técnicas Estaduais (Etecs),
mantidas pelo Centro Paula Souza, autarquia do estado de São Paulo. Segundo o
coordenador, Almério Melquíades de Araújo, a taxa de evasão é de apenas 5%. “Na
maioria dos
países, parte considerável de seus jovens, de 25% a 50%, busca o Ensino Técnico como forma de um aprendizado mais contextualizado, ou
como preparação para o ingresso precoce no mundo do trabalho”, diz.
A rede tem 288 mil alunos em
cursos técnicos de nível médio e superior tecnológico e, destes, 10% estudam em
tempo integral. A ampliação da carga horária, já prevista para a Educação
Básica no Plano Nacional de Educação, é outra aposta para o Ensino Médio.
O mais ousado dos projetos de
reforma, feito pela Comissão Especial sobre o assunto na Câmara dos Deputados,
quer alterar a legislação para que todos os alunos do diurno estudem ao menos
sete horas por dia. A proposta retoma os temas de flexibilização do currículo
com substituição das disciplinas por grandes áreas e aumenta o tempo de estudo
no período noturno, que passaria a ser de quatro anos. As mudanças incluiriam disposição
de vagas à noite apenas para os maiores de 18 anos e alterações no Enem para
que a prova seja feita a cada ano do Ensino Médio.
O relator da proposta, o deputado
Wilson Filho, afirma que a meta é distanciar a etapa do “decorômetro” para o
vestibular ou o Enem. “Tem de atrair o estudante para uma profissão, ter um
sentido. Eu saí do Ensino Médio não faz tanto tempo e ainda posso me lembrar de
como não tem”, afirma o parlamentar de 25 anos.