Hoje 20 de novembro com poucas comemorações, comemora-se o dia Nacional da Consciência Negra, dia da morte de Zumbi dos Palmares.
Leia aqui texto referente
Em comemoração a esta data, trouxemos aqui uma entrevista de Graça Machel, viúva de Nelson Mandela, concedida a Jornalista da Folha - Fernanda Mena
Para viúva de Nelson Mandela, combate ao racismo depende de mobilização, e é cedo para se falar em 'primavera africana'
FERNANDA MENA DE SÃO PAULO
Quando se mudou do interior de Moçambique para a capital, Maputo, para
ingressar no ensino médio, Graça Simbine estranhou o fato de ser a única
negra em uma classe de 40 alunos.
Começava ali a trajetória de ativista da jovem que se formou em
filosofia alemã pela Universidade de Lisboa e, de volta à terra natal,
entrou para a história contemporânea da África como guerrilheira da
Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), ministra da Educação
daquele país e viúva de dois presidentes do continente.
Ela foi casada com Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique
independente, e Nelson Mandela, ícone da luta contra o apartheid na
África do Sul. "Tive o privilégio de dividir a minha vida com dois
homens excepcionais", declarou certa vez.
Após a morte de seu primeiro marido num acidente de avião, em 1986,
Machel manteve luto por cinco anos. Após a morte de Mandela, em dezembro
do ano passado, a ativista decidiu romper o luto em poucos meses para
se dedicar à luta contra o racismo, o analfabetismo e a pobreza, e pelos
direitos das mulheres e das crianças.
Neste final de semana, Machel, 69, vem ao Brasil para ser homenageada na
Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, que acontece no
Memorial da América Latina, em São Paulo (leia mais na página E3).
O evento sucede o Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quinta (20).
Apesar de reconhecer a importância simbólica da data, ela avalia que há
pouco o que comemorar: "A família humana, ainda em 2014, tem
preconceitos profundos com relação à pessoa de raça negra."
Folha - Há diferença entre consciência negra no Brasil e na África?
Graça Machel - Sim e não. Sim porque a maior parte dos
brasileiros veio da África. Mas os negros no Brasil misturaram-se com
uma enorme diversidade de grupos, criando uma identidade diferente
daquela dos africanos. Aqui na África, falamos em diáspora negra
[imigração forçada pelos séculos de escravidão] e avaliamos que os
negros no Brasil são diferentes dos negros da Colômbia, que são
diferentes dos negros dos EUA, apesar de todos terem a mesma origem. Nós
evoluímos e nos diferenciamos de acordo com os contextos.
Os negros no Brasil, nos EUA, na Colômbia e em toda a África ainda
sofrem dos mesmos efeitos de serem desfavorecidos e discriminados com
base na raça. A família humana, ainda em 2014, precisa reconhecer que
tem preconceitos profundos com relação à pessoa de raça negra. Há razões
históricas para isso, mas a história evolui e se transforma. E a pessoa
de raça negra é que tem de se organizar para reclamar sua identidade e
dignidade. Não há ninguém que te vai reconhecer se não valorizares a ti
próprio. Cabe a nós reclamarmos o espaço e os direitos que nos são
inalienáveis.
A África nunca teve tantos governos democráticos e vê hoje surgir uma pequena pequena classe média. Quais são os principais desafios do continente hoje?
Se fôssemos falar de todos os desafios, conversaríamos por uma semana
inteira (risos). O principal deles é a aceitação da diferença como fator
de reforço das sociedades e não de seu enfraquecimento: diferença
étnica, racial, de gênero e religiosa. No nível político, precisa haver
tolerância entre partidos políticos que processam de formas diferentes a
construção de uma nação, cuja robustez vai se basear na busca de
elementos positivos que conduzam a uma coesão social.
Um segundo desafio é a aceitação da alternância política. Em muitos
casos, nós passamos de partidos únicos a democracias multipartidárias.
Mas, mesmo nesse modelo, há certa resistência por parte daqueles que
detêm o poder e, por isso, vemos países com os mesmos chefes de Estado
há 20 ou 30 anos.
O terceiro desafio é o do crescimento econômico, que ocorre sem
equidade, o que nos caracteriza como um continente com desigualdade e
estratificação social gritantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário