
"Primeiro eu queria agradecer a ajuda e cumprimentá-los pela iniciativa, pois estamos aqui há mais de quinze dias e nunca fomos procurados pelas autoridades", disse Pierre. Em seguida relatou uma série de problemas que seus 180 compatriotas estão enfrentando enquanto esperam um visto da Polícia Federal para tomarem um rumo no Brasil com status de "refúgio humanitário".
Ainda no domingo os parlamentares, sindicalistas, representantes do governo do Estado, o prefeito da vizinha Epitaciolândia, José Ronaldo, e vereadores das duas cidades formaram uma comissão para verificar qual a verdadeira extensão do fluxo migratório de refugiados haitianos a Brasileia e avaliar suas possíveis conseqüências. "Nós precisamos nos antecipar para depois não correr atrás do prejuízo. Não podemos permitir que a presença destas pessoas em Brasileia se torne razão para alarmismos. Vamos juntar todas as informações aqui e levá-las para o Ministério das Relações Exteriores", informou Moisés Diniz.
Na quarta-feira uma comissão segue a Brasília para reunir-se com o ministro Antonio Patriota. Segundo Moisés, uma das reivindicações será que o Exército dê abrigo para os refugiados. "Eles não podem ficar no Ginásio, pois ali falta privacidade e segurança. Além do mais, até agora o Governo Federal não está participando da recepção deixando os trabalhos sob responsabilidade das prefeituras e do Estado", argumenta Moisés.
O deputado calcula que os principais problemas serão solucionados em duas semanas. Até lá os refugiados vão precisar de colchões, roupas e até água. Para atenuar as dificuldades, o presidente da CTB (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), José Chaves, está reorganizando o Comitê de Solidariedade fundado pelas centrais sindicais acreanas há mais de 20 anos para apoiar, primeiro o povo palestino, depois os cubanos e agora os haitianos. Em Rio Branco, segundo Chaves, já há vários haitianos abrigados na Casa do Trabalhador, sendo que dois deles estão trabalhando em uma empresa de construção.
"Os acreanos têm uma dívida de solidariedade com outros povos desde a grande cheia do rio Acre, de 1987, quando recebemos doações até de bribotes da Holanda e da Dinamarca", lembra Abrahim Farhat, o Lhé, assessor do gabinete do senador Anibal Diniz e um dos fundadores do comitê. Na próxima quinta-feira, 10, uma reunião no auditório da Aleac vai definir uma estratégia para a arrecadação.
A possibilidade de que os imigrantes possam trazer para o Brasil a epidemia de cólera registrada no Haiti está descartada, pois há um rígido controle sanitário e epidemiológico na fronteira. De acordo com Corinto, um posto da Secretaria de Saúde foi transformado em referência para a realização de exames de cólera e de doenças sexualmente transmissíveis. "Só depois que o imigrante apresenta um cadastro da Secretaria Estadual de Saúde comprovando a realização dos exames ele pode obter o visto da Polícia Federal", explica.
Rota de saída inclui Atlântico, Pacífico e Transoceânica
Renaud Pierre, como os demais haitianos, chegou a Brasileia depois de quase dois meses de viagem com dinheiro suficiente apenas para entrar no Brasil. De acordo com Henrique Corinto, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, a rota da diáspora haitiana começa na capital Porto Príncipe. Dali eles vão a pé até Santo Domingo, na República Dominicana, localizada na mesma ilha e aonde a maioria aprendeu a falar espanhol.
Em seguida tomam carona ou pagam modéstias quantias em embarcações navegando pelo Mar do Caribe, no Atlântico, com destino à Cidade do Panamá e o Equador já no Pacífico. A parte terrestre da viagem é feita pela rodovia Pan Americana por onde poderiam chegar até Buenos Aires, na Argentina, passando por Lima, no Peru e Santiago do Chile, mas eles preferem pegar o atalho da Rodovia Transoceânica e chegar a Brasileia.
"Eles são pessoas bem informadas. Sabem que o Brasil é a maior potência da América Latina e que em Rondônia estão construindo duas grandes usinas que precisam de muita mão de obra qualificada", comenta o deputado Moisés Diniz.
Além de pedreiros, eletricistas, pintores, marceneiros e outros trabalhadores do setor de construção civil, há profissionais de nível superior, como engenheiros e professores. As cozinheiras Viergemene Joseph e Darline Lafleur, dizem ter experiência em cardápios internacionais oferecidos nos restaurantes que desabaram em Porto Príncipe. "Comida típica no Haiti? O Haiti não tem o que comer", responde Darline.
Apesar do estado de necessidade, a comida brasileira, à base de feijão com arroz, servida pela Casa Paroquial com ajuda do Governo do Estado e da Prefeitura não está agradando aos haitianos. Renaud Pierre argumenta que é uma questão cultural, pois os brasileiros também poderiam ter reações negativas à comida haitiana. "Nós mesmos poderíamos fazer nossa comida com supervisão de funcionários do Brasil", reivindicou.
Divergências
O padre Rutemarque Crispim, responsável pela Paróquia e acolhimento dos refugiados, conta que a comida está sendo feita por voluntárias da comunidade católica com ajuda de três refugiados. O maior problema, segundo ele, é o tempo e o gás consumido para cozinhar o feijão em uma grande panela aberta, sem a tecnologia da pressão.
Além da demora no cozimento, há problemas na distribuição. Crispim mostra uma voluntária haitiana que sorri sem entender que o padre fala sobre sua mania de dar mais comida para o pessoal do seu grupo e menos para os outros se ele afrouxa a vigilância.
De acordo com o padre, também há divisão em grupos religiosos entre os imigrantes. "O evangélicos se recusam a vir comer entre os católicos, de forma que a comida tem que ser transportada", comenta. Além do catolicismo e o protestantismo, o vudu é a terceira religião oficial do Haiti sendo professada à maneira do sincretismo religioso da umbanda e do candomblé da Bahia.
Em Brasileia, a maioria se comunica em creole, uma das linguais oficiais do Haiti, além do francês. Uma grande parte também fala espanhol devido à proximidade do país com a República Dominicana, ex-colônia da Espanha. Mas, pelo menos um dos imigrantes é poliglota, o pedreiro Samuel Dorvilus, 30 anos, que tem servido de intérprete no ginásio de esportes. Fala creole, francês e inglês e já faz avanços em português.
País devastado e Estado desmontado
Sem qualquer tipo de infraestrutura e até mesmo água para beber, a solução encontrada pelos haitianos é a chamada diáspora, movimento migratório de grandes multidões forçadas ou incentivadas. "No caso do Haiti, as famílias que têm um pouquinho de dinheiro patrocinam a imigração de um dos seus para que depois este possa reunir os outros. Por isso, é de se prever que este êxodo seja contínuo e imprevisível quanto a tempo e quantidade", analisa Moisés Diniz.
O ex-prefeito de Brasileia, José Alvanir, hoje assessor do governo estadual, representou a prefeita Leila Galvão que estava viajando durante a visita dos deputados. Ele disse que o tempo da viagem dos imigrantes entre o Haiti e Brasileia está se reduzindo de dois meses para até 15 dias. "Sinal que estão vindo com mais dinheiro ou que melhoraram a logística", avalia.
Embora tenha passado uma semana inteira sem a chegada de um único haitiano entre o fim de janeiro e a primeira semana de fevereiro, há relatos de que a Força Nacional do Brasil e a Polícia peruana detectaram a presença de 140 deles na cidade de Porto Maldonado planejando a vindo para Brasileia.
O secretário Henrique Corinto acha que a pausa no fluxo migratório se deu em decorrência da prisão, no Peru, de um coiote - nome dado aos mercadores de imigrantes do México para os Estados Unidos. O coiote estaria trazendo os haitianos de vans.
"O governo, a Assembleia, as prefeituras, as câmaras e o movimento social devem estar preparados, se antecipando à possibilidade de que este trânsito se intensifique e seja ininterrupto. Não podemos simplesmente fechar as porteiras e deixar de prestar socorro a um povo tão sofrido", alertou Moisés Diniz.
Fonte: www.jornalatribuna.com.br
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