Moisés escreve: Chaves era sofisticado e simples
Moisés Diniz 01/12/2014 06:51:01Fonte foto:
‘A simplicidade é o último grau de sofisticação’, dizia Leonardo da Vinci. Talvez essa seja a mais luminosa qualidade de Chaves, que esteja criando tanta consternação na sociedade latino-americana e ofuscando quem aprendeu a olhar o mundo a partir da sua própria sombra, achando que, por representar a sua silhueta, seja mais importante do que a luz.
O prestigiado jornal A Folha de São Paulo abriu a sua primeira página
para uma estudiosa da alma humana, talvez, a dela e de seus amigos da
velha academia, aonde as letras tortas e rústicas do povo não cabem no
seu nobre alfabeto. O nome da moça é Sylvia Colombo e o artigo foi
intitulado de “Menos Chaves, mais Cantinflas”.
Sylvia Colombo tenta construir um discurso à esquerda do sentimento
popular do brasileiro que, segundo ela, é atrasado e subserviente a uma
visão estereotipada da pobreza latino-americana, retratada no personagem
Chaves, qualificando-o como um produto pobre, folclórico e tosco da
poderosa Televisa mexicana. Em respeito ao tempo dos leitores, publico
apenas um de seus parágrafos, mas, quem quiser lê-lo todo, basta
acessar: http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2014/11/29/menos-chaves-mais-cantinflas/
“A equação da série Chaves é essa: os roteiros eram estúpidos, os
textos, fraquíssimos, as piadas, preconceituosas e machistas _basta ver
como são retratadas as mulheres no programa. Temos a menina histérica de
vestido curto, a mulher mandona cheia de bobs no cabelo, ou uma mais
velha, que sem rodeios é chamada de “bruxa”. Sem contar o modelo
masculino (seu Madruga), um sujeito folgadão, desbocado e autoritário, a
homofobia implícita de seu discurso e suas atitudes.”
Aqui reside o problema de Sylvia Colombo e de grande parte dos
‘doutores’ da alma humana, que, como o Professor Girafales, sentem
enorme dificuldade em entender que os pobres, sejam latino-americanos ou
africanos, podem se sentir representados por personagens que – embora
simples, ‘caricatos’ até, folclóricos, rústicos, analfabetos – podem
estar a alimentar esperanças sutis e utopias de todo um povo, mesmo que
seus roteiros não tenham sido escritos por celebridades como Honoré de
Balzac, Dostoiévski ou Charles Chaplin.
Chaves penetrou na alma latino-americana, como água numa areia
pisoteada por quinhentos anos de dominação colonial e capitalista,
porque o coração dos pobres nunca foi pedra. Quando precisou endurecer,
em suas revoltas populares, foi carbono. Sua mensagem sempre foi
simples, mas, era como se existissem conceitos subliminares, como se a
filosofia estivesse a alimentar aquela linguagem tonta, infantil e
ingênua de Chaves e de seus amigos, como Kiko, Seu Madruga e Chiquinha.
Chaves dormia num barril, à semelhança do filósofo Diógenes de
Sínope, representante qualificado do cinismo, que também dormia num
barril e andava nu e dizia que “não tinha propriedade alguma para não
ser propriedade de nada”. O cinismo, como corrente filosófica, oferecia
às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em
uma época de incertezas. Os cínicos não tinham nenhuma propriedade e
rejeitavam todos os valores convencionais de dinheiro, fama, poder ou
reputação e sua sabedoria maior consistia na ação, não apenas no pensar.
Se pedíssemos a um grupo de estudantes de filosofia para analisar o
personagem criado e interpretado por Roberto Bolaños, com certeza, eles
lembrariam do que estudaram sobre o cinismo de Antístenes e Diógenes e
escreveriam que as máximas do cinismo filosófico aparecem nas frases
toscas e tontas de Chaves e de seus amigos e no comportamento de cada
cena. E diriam, também, que se assemelham, fortemente, à vida dos pobres
nas periferias das grandes cidades latino-americanas.
Moisés Diniz é membro da Academia Acreana de Letras e autor do livro O Santo de Deus
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