Esta entrevista foi concedida ao Diesat. Diesat é o Departamento Intersindical Estudos da Saúde do Trabalhador, da mesma forma que o Dieese tem a característica intersindical para Estatística e Estudos Socioeconômicos.
Maria Engrácia
Em entrevista ao Informativo Diesat, a Sanitarista e Médica do Trabalho, Maria Engrácia de Carvalho Chaves, falou sobre as causas do crescimento dos casosde agravos à saúde mental no mundo do trabalho. Ela, que também é mestra em Saúde Comunitária, Psicanalista, atual Chefe dos Serviços Técnicos da FUNDACENTRO/Ba, aponta caminhos para minimizar aquilo que vem sendochamado como “mal do século”.
Informativo Diesat - Como se estrutura o trabalho nos dias atuais? Há espaço para que a subjetividade do trabalhador seja acolhida e respeitada, favorecendo a saúde mental, conforme preconiza Freud?
Maria Engrácia - Se considerarmos o panorama da situação econômica atual, com elevados índices de desemprego nas grandes cidades, entendemos que a tendência é que não haja espaço para que a subjetividade do trabalhador possa ser incluída no seu trabalho. O temor do desemprego tem papel fundamental na determinação das formas subjetivas das relações de trabalho. Do lado de quem emprega, a utilização deste “argumento”, muitas vezes de forma velada, serve para exigir produção excessiva sob pressão, com ritmo e tempo determinados, sem qualquer definição de seu trabalho. Do lado de quem é empregado, sobra a convivência com possibilidade de participação do trabalhador na concepção, no planejamento e na a competitividade destrutiva e o individualismo, o medo de se colocar, de falar, de reivindicar direitos estabelecidos em lei, ou de adoecer, simplesmente. Com aflexibilização das relações de trabalho, a situação tende a se agravar. Novos riscos começam a emergir, inclusive os invisíveis, como o assédio moral.
ID - Deste modo, podemos entender que a saúde e o sofrimento mental estão relacionados à organização do trabalho?
Maria Engrácia - A forma como o trabalho é organizado, sua maior ou menor flexibilidade, guarda relação com a saúde e o sofrimento mental. Essa flexibilidade pode ser avaliada pelo espaço existente entre o que é prescrito e o que é de fato realizado. É preciso que o trabalhador tenha margem razoável de negociação com a organização do trabalho. Uma maior possibilidade de intervenção sobre a forma como o trabalho é organizado, adaptando-a às suas necessidades e conectando-a à sua subjetividade proporcionaria a obtenção de prazer e satisfação, ao passo que
uma organização do trabalho inflexível, por exemplo, com imposição de ritmos de trabalho e desrespeito à autonomia do trabalhador, favoreceria a emergência do sofrimento mental e/ou de doenças psicossomáticas.
ID – Quais os fatores fundamentais para a preservação da saúde mental?Maria Engrácia – O psicanalista francês Christophe Dejours, pesquisador das relações entre trabalho e saúde mental, ressalta alguns fatores protetores da saúdemental, como o estabelecimento de regras em comum acordo, a solidariedade entre os trabalhadores, a ética, a possibilidade de expressão da criatividade e o reconhecimento pelo coletivo de cada sujeito envolvido no processo de trabalho. Estes são elementos imprescindíveis na formação de um sentido do trabalho. Tratase, portanto, da construção do sujeito. Da passagem do trabalhador do lugar de mero produtor de objetos ou de serviços para o lugar de sujeito, de apropriação do seu saber. O trabalhador, respeitado como sujeito, poderia dar um sentido interno, psíquico, ao seu trabalho, utilizando-o como possível via sublimatória.
ID – O que a senhora constatou do seu trabalho com psicoterapia em grupo para portadores de LER/Dort?
Maria Engrácia - No grupo de psicoterapia, os fatores que mais se destacaram como desencadeadores de emoções negativas no ambiente de trabalho foram: pressões da chefia, dificuldade de dizer “não” às ordens estabelecidas, impossibilidade de opinar sobre o trabalho, ou seja, falta de autonomia, que deixavam os pacientes mobilizados com sentimentos intensos, com destaque para a raiva e a tristeza. Estes sentimentos, que não podiam ser canalizados através da
fala e de atos, se transformavam em tensões que se alojavam no corpo.ID - A senhora chama a atenção para a necessidade de “se pensar espaços para a fala e a escuta do trabalhador”. Qual o papel dos sindicatos nessa tarefa?
Maria Engrácia - É, exatamente, o momento de pensar como esses espaços podem ser construídos. Parece-me imprescindível que os sindicatos ampliem, cada vez mais, seu campo de atuação e de escuta do trabalhador e da trabalhadora, o que possibilitará um entendimento mais amplo do que venha a ser saúde. Por exemplo, bem-estar também é saúde.
ID - A senhora também aponta a necessidade de responsabilização dos empregadores pelo bem-estar de seus empregados. O que governos esindicatos devem fazer neste sentido?
Maria Engrácia - Orgãos públicos e sindicatos têm papel relevante na busca de melhores condições de trabalho e de saúde. No momento, a necessidade é de um diálogo profundo acerca do Estado que queremos, junto à sociedade, aos técnicos da área de saúde, entidades de classe, etc., para que possamos construir nosso controle social. Cabe a nós refletir e falar o mais abertamente possível sobre a -estar de seus trabalhadores. Ao meu ver, um salário básico para a sobrevivência é muito pouco. O ser humano precisa realizar-se, sentir-se útil, ser valorizado e respeitado na sua condição de sujeito. Além disso, penso que uma atuação conjunta entre governo e sindicatos pode dar melhores resultados no sentido de implicar o empregador nas suas
responsabilidades.ID - Por fim, é possível interferir na relação trabalho-saúde?
Maria Engrácia - Sem dúvida. É um movimento que demanda um grande esforço e trabalho de todos nós que estamos envolvidos na área de saúde do trabalhador e, quanto mais coesos e unidos estivermos, maior a chance de uma interferência na relação trabalho-saúde, favorável aos trabalhadores. O que quero dizer é que o adoecimento não é natural ou inerente ao trabalho; é possível trabalharmos e termos saúde. Sem esquecer do ponto que levantamos de que o trabalhador seja visto, pensado e escutado como sujeito, não como mero objeto ou resto de uma
linha de montagem.Fonte: Diesat
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